Crítica: 'Frances Ha' é filho bastardo e irresistível da nouvelle vague
É preciso estar de mal com a vida, ter o coração de pedra, ser ruim da cabeça ou doente do pé para resistir à cena de "Frances RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA
Ha" em que a protagonista sai correndo e dançando pelas ruas de Nova York ao som de "Modern Love", de David Bowie.
Quando muita gente começa a louvar um filme sumariamente independente, daqueles que não prometem absolutamente nada e os envolvidos são quase desconhecidos, e colocá-los em listas de melhores do ano é porque ali consta uma obra que devemos, ao menos, prestar uma atenção a mais. É o caso desse filme de Noah Baumbach, um diretor que vem cada vez mais crescendo e se fazendo presente dentro desse cenário independente americano. E aqui, não cansa de fazer referências visuais e textuais a outros cineastas como Woody Allen, por exemplo. E nada me tira da cabeça que Frances é, na verdade, uma espécie de extensão de Poppy, personagem do filme de 2009 feito por Mike Nichols, Simplesmente Feliz. Com características próprias, a personagem principal - e que dá o título - de Frances Ha não demora a nos conquistar e contagiar a tela. A ela, sobra a principal característica que uma protagonista de um filme desses deve ter: carisma. E dessa forma, faz um verdadeiro espelho de certas características de nós mesmos. A personagem é tão fracassada, tão azarada, perdida, e por vezes, parece tão desagradável que não tem como não enxergar a si mesmo em algum momento do filme. E o maior acerto do filme é o tom propositalmente leve dado a todas as "desgraças" pelas quais Frances passa, atingindo seu ápice numa sequência divertidíssima em que a personagem, num ato de profunda imaturidade, resolve fazer uma viagem até Paris de última hora e perde absolutamente todos os compromissos possíveis que ela poderia desfrutar: ou por estar em Paris quando sua melhor amiga, em NY, a chama para uma festa de despedida; ou por já ter voltado para NY quando recebe um telefonema sobre um jantar com uma velha amiga em Paris; ou por dormir demais. O fato é que esse foco em "como será a vida após a faculdade" não é muito bem uma inovação no cinema hollywoodiano dos últimos anos, mas são raras as vezes que um realizador acerta ao olhar para uma história extremamente pessimista com otimismo. E o legal aqui é justamente a forma com que Frances encara cada momento de sua vida (representado muito bem, como em capítulos de um livro, pelo endereço de cada casa que a garota morou nesse período de tempo) com um olhar do tipo "eu poderia estar pior". E por mais que se sinta derrotada em relação a todos os que ascendem ao seu redor, ela continua com a esperança de que aquilo pode (e vai) melhorar. Em meio a cenas emocionantes e vergonha-alheia na mesma medida, no fim, não deixa de ser uma questão de auto-estima.
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Mas é um golpe baixo ansiosamente aguardado: aquele que vai libertar o cinema independente americano de anos de pretensão e cinismo para oferecer um momento de prazer fugaz, frugal.
Cena do filme 'Frances Ha', produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira |
"Frances Ha" é filho bastardo da primeira nouvelle vague (do Godard que disse que tudo de que se precisa para fazer um filme é uma arma e uma garota) com o mumblecore (o subgênero de baixo custo, diálogos naturalistas e personagens balbuciantes).
Não por acaso, "Frances Ha" tem na trilha músicas de Georges Delerue (o compositor "oficial" da nouvelle vague) e é escrito e protagonizado por Greta Gerwig, musa do mumblecore. Frances, sua personagem, se aproxima dos 30 anos assolada pela falta de perspectivas.
Ela é assistente em uma companhia de dança, mas não é boa o suficiente para virar bailarina.
Como uma moderna Cabíria (a esperançosa personagem de Giulietta Masina em "Noites de Cabíria", de Fellini), Frances enfrenta cada revés com otimismo incorrigível --o mesmo que, diante de uma pequena vitória, a leva a dançar pelas ruas.
Com "Frances Ha", o diretor Noah Baumbach confirma o talento demonstrado em "A Lula e a Baleia" (2005) e se livra de certos maneirismos do passado.
De quebra, oferece um retrato preciso sobre aquela fase da vida em que não sabemos exatamente que rumo tomar, o que fazer da vida --uma fase que, em alguns casos, teima em durar para sempre.
FRANCES HA
DIREÇÃO Noah Baumbach
PRODUÇÃO EUA, 2012
ONDE Reserva Cultural, Iguatemi Cinemark e circuito
CLASSIFICAÇÃO não informada
avaliação ótimo
DIREÇÃO Noah Baumbach
PRODUÇÃO EUA, 2012
ONDE Reserva Cultural, Iguatemi Cinemark e circuito
CLASSIFICAÇÃO não informada
avaliação ótimo
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